Santos

Fala, santista

14/07/2018

Um dos ingredientes que deixam mais saborosa a Copa do Mundo, que se encerra neste domingo (15), é a variedade de idiomas falados, tanto dentro das quatro linhas quanto nas arquibancadas e ruas das cidades da Rússia. São várias línguas, algumas mais familiares aos brasileiros e outras completamente incompreensíveis. E mesmo países que têm o mesmo idioma como língua oficial possuem muitas diferenças em sotaques e expressões: o português falado em Portugal difere do brasileiro e o de países africanos como Angola e Moçambique; o espanhol da Espanha não é idêntico ao falado na Argentina, Uruguai, Colômbia, Peru…

Estas diferenças de sotaques, expressões e palavras também se verificam entre cidades de um mesmo país e o caso de Santos é bastante particular. Média, canal, colante, cidade, litoral e linha da máquina, entre tantas outras expressões, têm significados exclusivos em nossa cidade.

Para destacar estas singularidades, tornando-a um atrativo turístico, a Prefeitura planeja construir o Museu das Palavras e Falas Santistas. “O objetivo é valorizar as particularidades da fala do santista”, explica o vereador Braz Antunes Matos (PSD), autor da proposta, aprovada por unanimidade pela Câmara e deve ser sancionada pelo prefeito Paulo Alexandre Barbosa (PSDB) em até 15 dias.

Ele revela que, em reunião nesta sexta-feira (13), foi definida a formação de um grupo de trabalho, com integrantes das secretarias de Cultura, Educação, Turismo e da Fundação Arquivo e Memória de Santos. “Todos abraçaram a ideia”, comemora Braz.

O chefe do Departamento de Formação e Pesquisa Cultural da Secretaria de Cultura (Secult), Vinícius Cesar Sérgio, destaca a importância da organização do acervo. “Temos um patrimônio imaterial riquíssimo. Santos é uma cidade com muitas particularidades na fala. Nossa cultura resultado é de muita miscigenação e muita história”, argumenta.

Segundo ele, mais importante que o espaço físico para abrigar o acervo é o seu modo de apresentação. “Podemos organizar um local interativo, com conteúdo multimídia”, explica. Vinicius Sérgio acredita que o museu deve ter um cunho pedagógico e, se possível, um caráter itinerante, para poder ser levado a escolas e espaços públicos. “Vamos realizar uma boa pesquisa para organizar este acervo. Como toda boa ideia, ela precisar ser lapidada para se tornar realidade.

O secretário de Turismo de Santos, Odair Gonzalez, acredita que um museu com estas características pode ser mais um atrativo não só para visitantes mas para os próprios moradores da cidade. “A cultura santista é muito rica e, portanto, um grande atrativo turístico. Um museu desta natureza certamente vai atrair muita gente”, afirma.

O vereador Braz Antunes acredita que a formação do acervo pode ser feita de forma colaborativa, com a participação não só de estudiosos e pesquisadores, mas também da comunidade. Ele acrescenta que o projeto pode ser viabilizado com o apoio da iniciativa privada, a exemplo do que acontece em outros museus, patrocinados por empresas. 

 

Reconhecimento a autores

Além de destacar as particularidades do vocabulário típico da cidade, o museu também reservará espaço para autores (escritores e poetas) santistas, como Martins Fontes, Rui Ribeiro Couto, Vicente de Carvalho, Geraldo Ferraz, Patrícia Galvão, Narciso de Andrade e Plínio Marcos.

 

Pequeno dicionário da fala santista
Baciada
–  Produto barato e qualidade duvidosa, alusão à tática usada nos fins de feira, em que os produtos são colocados em bacia em preços de liquidação.
Bagulho – Qualquer coisa. Pode ser um objeto, situação. Exemplo: “Quando vier, traz meu bagulho”.
Boi – Algum muito fácil; quando uma moça ‘dá bola’ a um rapaz. Exemplos: ”É o maior boi pintar essa parede”. 
Boiada- Coisa fácil; oportunidade atraente.
Cabuloso – Uma situação ou pessoa muito legal.    
Cavernoso – Uma situação assustadora.
Canal – É um ponto de referência. Os canais dividem a cidade longitudinalmente, estabelecendo os limites entre os bairros. Mas para localizar um imóvel no Embaré, por exemplo, o santista diz que ele fica no canal 4, canal 5…
Cará – Conhecido em outras cidades como “pão de leite”, antigamente incluía o tubérculo entre os ingredientes. Com o passar do tempo, o cará saiu da receita e só permaneceu no nome. 
Carro de Paulista – Quando um carro particular leva dois homens nos bancos da frente e as mulheres vão no banco de trás.
Cidade – O Centro de Santos
Classe A– Uma coisa muito boa. 
Colante-  adesivo                 
Do doce-  produto de baixa qualidade, uma alusão a brinquedos baratos que vinham como brinde em doces.
Dois palitos –  Tarefa fácil de ser executada. 
Embaçar- Atrapalhar
Embaçado- Situação complicada. 
Farofeiro– Turista de um dia. Termo surgiu na década de 1970, quando veranistas almoçavam em plena praia, principalmente frango com farofa.
Fazer um vento – pedir agilidade a alguém 
Goiaba– Pessoa tola.
Guarú – A cidade de Guarujá
Joinville – A tradicional confeitaria na avenida da orla, próximo ao canal 3, virou ponto de referência e, para alguns, o nome da praia.
Lelê – Fazer "embaixadinhas" com bola de futebol.   
Ligar- Se alguém pergunta se você “tá ligado?”, quer saber se prestou atenção ou entendeu. Já “Se liga” significa “Preste atenção” ou “é o seguinte”.
Linha da Máquina – Referência geográfica para indicar a avenida Francisco Glicério, onde, paralela a ela, passava uma linha de trem, “a máquina”. É utilizada para dividir a cidade em duas latitudes, uma mais nobre (da “linha da máquina” até a praia) e outra mais popular (“da minha da máquina” para “dentro”).
Litoral – Praias de São Sebastião, Ilhabela e Ubatuba (Litoral Norte)
Mango – Unidade monetária. Exemplo: Uma água de coco custa cinco mango (assim mesmo, sem “S”)
Média –  Pão francês. Embora não haja um consenso quanto à origem do termo, alguns padeiros relatam que, décadas atrás, havia as baguetes grande, média e pequena. Com o tempo, a média, a mais popular, diminuiu de tamanho mas preservou o nome.
Mó- Muito ou grande.
Paulista – Paulistano. Ou qualquer visitante, independente da origem.
Paga Sapo – Contador de vantagens, mentiroso.
Raspadinha – Refresco feito com groselha e gelo raspado. 
Osso –  Uma situação que “Tá osso” está difícil 
Tambores – Referência geográfica para identificar a divisa com são Vicente, na Zona Noroeste de Santos.
Tu- Apesar de ser um pronome na segunda pessoa do singular, conjuga o verbo na terceira pessoa: “Tu vai”. “Tu viu?”
Veneno – Uma pessoa “no veneno” está muito brava.
 

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